O gerundismo
“Vou estar depositando o seu salário hoje à tarde”; “O Instituto vai estar realizando um seminário sobre Gestão pela Qualidade no próximo mês”; “Na próxima quarta-feira, ele vai estar fazendo três anos de empresa”.
São frases usadas com certa frequência no meio empresarial. Acredito que muita gente assim fale porque considera as frases não só corretas mas construídas de uma forma mais “culta”.
Na minha opinião, são frases mal construídas. Não é caso para gerúndio (depositando, realizando, fazendo). A ação verbal está no futuro. Deveríamos dizer: “Vou depositar (ou depositarei)…”; “O Instituto vai realizar (ou realizará)…”; “…ele vai fazer (ou fará)…”
No livro Redação em construção, da Editora Moderna, o professor Agostinho Dias Carneiro, mestre da UFRJ e um grande amigo com quem tive a honra de trabalhar por mais de dez anos no Colégio Santo Agostinho, faz uma bela síntese sobre o mau uso do gerúndio.
“Alguns empregos do gerúndio devem ser evitados:
1ª) Quando as ações expressas pelos dois verbos – gerúndio e verbo principal – não puderem ser simultâneas:
Chegou sentando-se. Ou Machado de Assis nasceu no Rio de Janeiro, estudando com um amigo padre na infância.
2ª) Quando o gerúndio expressa qualidades e não comporta a ideia de contemporaneidade:
Vi um jardim florescendo.
3ª) Quando a ação expressa pelo gerúndio é posterior à do verbo principal:
O assaltante fugiu, sendo detido duas horas depois.
Seria melhor dizer:
O assaltante fugiu e foi detido duas horas depois.
4ª) Quando o gerúndio, copiando construção francesa (galicismo), passa a ter valor puramente adjetivo:
Viu uma caixa contendo…
A construção mais adequada seria:
Viu uma caixa que continha…”
O professor Agostinho termina sua lição com a seguinte conclusão: “O uso do gerúndio será tão mais impróprio quanto mais se aproxime da função adjetiva, ou da expressão de qualidades ou estados, ou quanto maior a distância entre o tempo da ação expressa por ele e o tempo da ação do verbo principal.”
É interessante lembrar que o pior uso do gerúndio é aquele que gera ambiguidade:
“A mãe encontrou o filho chorando.”
Quem estava chorando? A mãe ou o filho?
“Ônibus atropela criança subindo a calçada.”
O ônibus subiu a calçada e atropelou a criança ou o ônibus atropelou a criança no momento em que ela subia a calçada?
E há quem diga que “o gerúndio está na raiz de grande parte dos males do país”. Afinal, ninguém resolve nada, estão sempre “resolvendo”; ninguém providencia nada, estão sempre “providenciando”; ninguém conclui nada, estão sempre “concluindo”…
O bom uso do gerúndio
Lição do professor Agostinho Dias Carneiro no livro Redação em construção.
“O bom emprego do gerúndio traz significados distintos:
1º) Gerúndio modal: Chegou cantando.
2º) Gerúndio temporal. Indica contemporaneidade entre a ação expressa pelo verbo principal e o gerúndio: Vi João passeando.
3º) Gerúndio durativo: Ficou escrevendo sua redação.
4º) Gerúndio cuja ação é imediatamente anterior à do verbo principal: Levantando o peso, deixou-o cair sobre o pé.
5º) Gerúndio condicional: Tendo sido publicada a lei, obedeça-se!
6º) Gerúndio causal: Conhecendo sua maneira de agir, não acreditei no que me disseram.
7º) Gerúndio concessivo: Mesmo nevando muito, iria à festa.
8º) Gerúndio explicativo: Vendo que o leme não funcionava, o comandante chamou o mecânico.
Como regra geral, pode-se dizer que o gerúndio está bem empregado quando:
1) há predominância do caráter verbal ou adverbial;
2) o caráter durativo da ação está claro;
3) a ação expressa é coexistente ou imediatamente anterior à ação do verbo principal.”
Fonte: G1